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"Às vezes pessoas machucam umas às outras. Horrivelmente. E então? O que fazemos com os que machucaram alguém - às vezes de um jeito inimaginável? Quando paramos de ver uma pessoa e vemos apenas um monstro, um prisioneiro? [...] Não escolhi historias que se encaixam facilmente nas noções sociais de "bem" e "mal". Conheço muitas pessoas inocentes presas, condenadas injustamente. Seria mais fácil argumentar por sua liberdade e desafiar as prisões com base somente nessas experiências. É mais difícil usar histórias de pessoas que, de alguma forma, são assumidamente culpadas. 
Tem meu irmão adotivo que nega ser responsável pelo crime que o condenou. Ele admite estar envolvido, aos 16 anos, em um plano para matar. Tem o Mac, que admite totalmente ter cometido o ato terrível de acabar com a vida de outra pessoa (muitas pessoas na verdade), por dinheiro. A história de Mac é uma das que sustentam o sistema prisional. É o que a abolicionista prisional Ruth Morris chama de "os poucos terríveis" que políticos usam para avançar a agenda da "guerra contra o crime". Qualquer um que acredita em explorar e criar alternativas ao encarceramento vai ser confrontado com pessoas como Mac. Talvez até com pessoas como meu irmão. Ao invés de fugir disso, essas são as histórias que devemos explorar, as transformações e as redenções, se queremos transformar profundamente como pensamos sobre crime e punição neste país."

Walidah Imarisha

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A CiA dXs TeRrOrIsTaS entende o sistema prisional como uma síntese das estruturas de poder que violam, segregam e exterminam corpas dissidentes desde os primórdios dos processos de dominação e colonização. Mesmo nas rodas de companheiros mais progressistas, o assunto de abolir as prisões parece sempre "emperrar", quando percebemos nos rostos que nos rodeiam uma expressão que nos diz algo como: "é isso que temos, não vamos mexer".
A questão é que nosso silêncio parece ecoar de forma estrondosa pelos vastos corredores contornados por celas lotadas de corpos em sofrimento. E é por decidir em não corroborar com esse estrondo que resolvemos nos juntar e fazer barulho.
O projeto TRANSgressoras se apoio nas filosofias de pensamento e práticas políticas do abolicionismo penal. Essa vertente busca por diversas alternativas em áreas múltiplas de conhecimento para inventar formas de acabar com o cárcere e o que colocar em seu lugar para trocar as palavras punição, reclusão e vingança por responsabilização, reparação e perdão.
Sabemos que são os corpos negros, trans, favelados e excluídos que são alocados nestes depósitos de carne barata, onde perdem suas condições de seres humanos, seus direitos, sua dignidade... Trancafiados em condições precárias, sem estruturas básicas como atendimento médico, alimentação digna, educação, trabalho... e ao mesmo tempo sem a mínima autonomia para batalharem por estas mesmas estruturas. 
Afinal, como é possível ressocializar alguém que está apartado da sociedade e da sua própria humanidade? Se formos francos com nós mesmos, será que conseguimos mirar para nossos próprios olhos no espelho e dizer que acreditamos que a prisão melhora alguém?
E será que, como progressistas que somos, achamos realmente revolucionário sustentar um sistema falho, com um judiciário elitista e desinteressado com as conquistas sociais que conquistamos a duras penas, por entender que não há outra alternativa que não a punição para aqueles que machucaram o outro?
É evidente que não possuímos respostas para essas perguntas, mas é exatamente disso que o abolicionismo penal trata. De buscar, através de um diálogo verdadeiro e em rede, possibilidades para enfrentar as violências do cárcere ao mesmo tempo em que criamos novos sistemas de responsabilização dos praticantes e reparação das vítimas.
Se pararmos pra pensar em populações historicamente minorizadas o caldo ainda engrossa mais.
Travestis quando encarceradas, vivem a segregação do cárcere tanto da população dos presídios quanto dos funcionários. Comem em mesas separadas, usam copos e talheres separados, e um pequena olhada que não mire para o chão pode ser a justificativa para uma boa surra, ou pior...
Quando cumprem sua pena, essas mulheres trans saem do cárcere com um selo de criminosa e um de "traveco" tatuado na testa. Como reinserir essa pessoa na sociedade quando essa sociedade segrega os corpos dessas mulheres de banheiros, das escolas, do mercado de trabalho, mas que insiste em encarcerá-las por entender que são "pessoas afeitas ao crime".
A luta que travamos é interseccional, e por isso entendemos que não se pode falar de autonomia e bem viver para corpas minorizadas e LGBT+s sem colocar o dedo na ferida do sistema prisional.
Essa é a importância dessa pauta para o movimento e por isso devemos fortalecer essa luta.
Para fomentar o debate, disponibilizamos aqui o livro do pesquisador em direito, Victor Siqueira Serra, intitulado "Pessoa afeita ao Crime - criminalização de travestis e os discursos do tribunal de justiça de São Paulo", que trata do assunto com seriedade destreza ao denunciar os horrores por detrás de um judiciário ineficaz e sem preparo para lidar com a justiça do país que mais mata pessoas trans no mundo.
Esse livro, foi um dos motivadores do projeto TRANSgressoras e nosso primeiro caminho para interseccionar a luta pela liberdade de corpas dissidentes com o abolicionismo penal.

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